Um dos conceitos mais curiosos que já criamos é o da #
normalidade. Pra mim a normalidade não passa de um fetiche. Há uma tendência a que algo artificialmente dado e aceito pela maioria, por qualquer motivo que seja (o que se convenconou chamar de normal) seja tido como algo natural, e para algumas pessoas até algo bom. Mas pra mim não há nada de bom em naturalizar coisas sem nenhuma reflexão. Sem reflexão e autocrítica a gente sempre acaba se perdendo.
Por exemplo, em locais de alta periculosidade é "normal" ser assaltado ou agredido. Em países totalitários, é "normal" se calar diante da injustiça. Em meio a crises sanitárias, é "normal" ver que mais algumas centenas ou milhares de pessoas foram mortas em um único dia. Todas essas situações atestam contra o conceito de normal, não a favor.
Com o tempo, passamos a aceitar (ainda que sem concordar) coisas naturalizadas, isto é, tidas como normais. Corremos o risco até mesmo de defender essas coisas, mesmo sem concordar com elas, em nome de uma sensação de segurança e previsibilidade das coisas.
Então em vez de pensar no que é normal, acho que deveríamos pensar no que é ético. E por ético eu quero dizer, o que é socialmente sustentável. O que não fere a convivência. O que permite que cada um desenvolva ao máximo o seu potencial, sem impedir que os outros façam o mesmo.
E é muito difícil pensar que a coleta massiva de dados pessoais e o #
vigilantismo sejam algo socialmente sustentável. É difícil acreditar que um poder tão grande, como saber quem está ou esteve aonde e com quem, nas mãos de tão poucas pessoas seja algo bom. Aliás, nas mãos de poucos ou de muitos essa informação é perigosa. Criamos uma falsa dicotomia entre #
privacidade e #
segurança, mas pense o que aconteceria se alguém pudesse saber absolutamente tudo sobre você. Você se sentiria mais ou menos seguro?
Pode ser que hoje seja normal ceder os seus dados em troca de mensageria instantânea ou até em troca de uma futilidade qualquer como saber qual personagem você seria em um filme. Pode ser que hoje seja normal aceitar o vigilantismo em nome da "segurança". Pode até mesmo ser normal bisbilhotar a vida alheia nas redes sociais. Mas quão ético é tudo isso?
Porém uma ressalva precisa ser feita. Embora haja muitas discordâncias sobre esse ponto, eu não creio que o caminho entre o "normal" (entenda-se o que temos hoje) e o desejável seja uma disruptura imediata e em todos os níveis. Pelo contrário, penso que o caminho deve ser gradual e constante. Como em um jogo de xadrez, nenhum movimento deve ser impensado. Cada mudança deve ser meticulosamente estudada, seus resultados, meticulosamente observados.
Utopias são como o horizonte, você pode andar o quanto quiser, mas nunca o alcançará, e ele sempre vai mudar. Então não tenha pressa. Em vez disso, tenha atenção, ou vai acabar tropeçando.