O Meta apresenta-se como o dono de uma tecnologia neutra, que busca apenas “conectar as pessoas”, como quem oferece um espaço para os outros debaterem. O caráter enganoso desse discurso, que sustenta a mineração e comercialização de dados para fins de propaganda, já foi denunciado de maneira exaustiva. Também não é novidade que o principal objetivo do Meta é manter as pessoas conectadas 24 horas por dia para que possa coletar seus dados e manipular seu comportamento consumidor, extrair das pessoas o que Žižek chamou de “mais-comportamento” [behavioral surplus]. As redes sociais foram criadas com o propósito de fazer as pessoas perderem tempo, isto é, para não ter função determinada. Essa ausência de função, essa neutralidade aparente – aparente, pois há sim um processo de edição e de determinação de como os conteúdos circulam na rede – é um de seus maiores dispositivos de engajamento. A possibilidade de expor “opiniões” nas redes – que a transforma em uma de suas principais mercadorias – gera um engajamento intenso e sustenta a ilusão de que um espaço privado, por ser “gratuito”, pode ser considerado um espaço público. Mesmo Jürgen Habermas, que se resignou diante da possibilidade de uma transformação revolucionária do mundo, defendia um conceito de esfera pública que pressupunha um público de fato informado e capaz de debater e decidir de forma racional. O Meta produz o oposto disso. Chamar de esfera pública um dos maiores monopólios do mundo é capitular diante do real.[...] É preciso lembrar o mantra da teoria crítica: a ideologia está na forma, não basta discutir a extração de dados e a propriedade privada do software.Ao mesmo tempo, é preciso discutir a “propriedade dos meios de produção”. O Meta não é uma esfera pública ou uma versão da mesma, é um dos monopólios mais poderosos do mundo e não será possível combate-lo com “entrismo”. Toda vez que se faz uma crítica mais incisiva ao aparato da indústria cultural, a dialética é evocada como se fosse um mecanismo de “checks and balances” para afirmar que, apesar de tudo, ela “cumpre uma função”, “tem o seu papel” e outros truísmos. No caso das redes sociais, as esperanças de mudar o sistema “de dentro” traem a resignação daqueles que não acreditam mais na possibilidade de transformar nada “de fora”. Mesmo as utopias mais recentes, como o romance Another Now, de Varoufakis, fazem essa concessão quando abordam o acesso a informações pelo Google e o uso das tecnologias digitais como “um direito humano básico universal”. Como Zuckerberg, muitas pessoas ainda defendem que embora o Facebook, o WhatsApp e o Instagram tenham se tornado os meios pelos quais a extrema-direita ganhou o fôlego que ganhou nos últimos anos, a primavera árabe, o movimento me too, entre outros, seriam a contraprova dos efeitos nocivos desse aparato para a política. Isso pode até ser em parte verdade, mas a dialética não pode se reduzir a fórmulas tão simplistas. Abrigar sentimentos anticapitalistas sempre foi o modus operandi da indústria cultural, que se alimenta da insatisfação que sentimos e responde a elas com o oferecimento de si mesma e de suas soluções enganosas e sempre precárias como resposta a essas insatisfações. Contra ou a favor das redes sociais, querendo ou não, conforme ressaltou Vogl, os usuários jogam junto [spielen mit].É preciso reconhecer que a indústria cultural tornou-se um sistema para-democrático e sua infraestrutura digital acelera cada vez mais as tendências monopolistas, neoliberais e bárbaras do capitalismo atual. Em países da periferia, a situação é ainda mais grave do que no Norte global. As plataformas de trabalho alimentam-se de um grande contingente de mão de obra informal, da pobreza, da miséria e da fraqueza das leis trabalhistas e da seguridade social para extrair um grande contingente de mais-valia. As plataformas e redes sociais, no Sul, destroem democracias jovens e com ainda menos mecanismos de proteção do que no Norte. A instabilidade política produzida por essas redes é parte de seu funcionamento. Querer romper com sua lógica “de dentro” é como querer quebrar o sistema financeiro apostando na bolsa de valores.A pandemia da covid-19 também tem acelerado todos esses processos. O metaverso responde igualmente à disputa pela criação de ambientes de trabalho virtuais, que se multiplicaram com a crise que vivemos nos últimos dois anos. Como não sabemos se e quando essa pandemia vai acabar, o monopólio que criar as melhores condições para a transição do trabalho (e do ensino) virtual vai se tornar imensamente poderoso.O vídeo de lançamento do metaverso é de qualidade duvidosa. O projeto foi acusado de ser uma manobra de rebranding para dissociar a imagem da empresa dos escândalos de “má gestão de dados” dos últimos anos e evitar a sua responsabilização pela ascensão do fascismo no mundo todo. O anúncio de algo que ainda não existe também faz parte da corrida tecnológica que o Vale do Silício promoveu nas últimas décadas. A despeito, no entanto, de quanto tempo levará para que o metaverso se instale, ele é uma tendência. Lutar contra ela é uma tarefa e uma necessidade. E não será possível travar essa luta sem uma compreensão extensa desses processos. A teoria crítica, da Escola de Frankfurt e seus desdobramentos contemporâneos no centro e nas periferias do capitalismo, oferecem caminhos. É sempre bom lembrar que, a despeito de inúmeras acusações, não são os teóricos críticos que tratam as pessoas como “idiotas pra caralho”.