LucidezQuando me perguntam se estou bem, digo: estou bemdividida entre saber, me alimentar e lamentar Sinto uma saudade estranha de saber um pouco menosser aquele humano médio que passa sem se importarO caminho da consciência é lugar de desassossego, E hoje a mais banal notícia já me tira do lugare a mente perturbada busca pelo aconchegoLendo de Sueli Carneiro à Morena MariahA quem importa informar existência de Kushe que a filosofia grega descende da africanaA quem importa estudar cosmovisão yorubá e refletir Revolução HaitianaQualquer pessoa preta que se abre à consciência Resguarda um certo respeitopor qualquer preto que enlouqueceuÉ vital estar ciente que a verdade estraga a ideia de normal que a vida te ofereceu Você começa a respeitar o torpor de quem bebe, de quem fuma, de quem chora, e quem sente demaisE aos pouquinhos apreende da vivência que a loucura é de quem espera que a cura vem junto omissão e paciência quando entende que sua cor te faz parte da base de um sistema que sem base não tinha se erguidocompreende a inocência de esperar que os instrumentos do opressor vão ajudar a libertar o oprimido Existe uma barreira após cada obstáculoe sobre essa armadilha Aza Njeri vai dizer:O racismo é como um monstro grande, cheio de tentáculos,e a certa altura um deles atinge você Tem um tentáculo pra preta de roupa mais caraTem um que ataca o crespo e a pele retinta dela Tem um tentáculo que enrosca o corpo todo da negra de pele clara e atravessa o peito grande dela O racismo tem tentáculo pra negra idosa: atravessada pela ideia de que aguenta tudo. Tem um tentáculo pro negro, que é porteiro, segurança e que por ter que trabalhar desde cedo não teve estudo Tem tentáculo pro preto ama estudar: não performa sua revolta, então parece afeminado Tem pra aquele que vivendo intensamente sua revolta já acorda e espera ser exterminado. Tem o tentáculo pra negra que faz sua faxina Tem pra aquela que já tá fazendo seu mestradoEssa metáfora do monstro nos ensina que não tem escapatória pra um racismo que é tão bem estruturado. Aprendi recentemente que vivo no caos Que é preciso estar lúcida do caos vividoe é necessário conhecer a nossa história não contadaTer na mente o maior número de livros lidos Contar em roda essas histórias e ouvir atentaquem despertou pra lucidez muito antes de nósacumular saberes para com sabedoriaprovidenciar que mesmo longe escutem nossa voz e que essa voz seja de tal maneira articuladaque até quem não viveu ou não entenderiaseja tocado para não só se emocionar mas de tão desassossegadoquerer se movimentar no dia a dia.Finalmente estar minimamente organizado Ao conduzir com lucidez o toda essa dor que a gente sente Recomendo se benzer pra enfrentar o fim do ano Que por vezes, sem notar, marca também o fim da genteE me perguntam se o que falo é por amor à causa E vê se eu aceito um amor que me dê tanta azia Já não dá tempo de ler ngela Davis, provar que a terra é redonda e colocar amor em poesiaAliás "Ouça me bem amor Preste atenção O mundo é um moinho Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho Vai reduzir as ilusões a pó" Não ignore a dorTenha visão Você não está sozinhoVai encontrar mais gente no caminhoPra dividir o banzo, a raiva e a dóEu falo de ilusão e da tristeza que invade Porque entendo que clareza desta nocividade É o que permite nos reconhecer na passividadePra resgatarmos todos juntos nossa humanidade E reunirmos energia pra algum dia alterar a realidade.