Fragmentos, do capítulo 16, do livro No Tempo das Catástrofes, de Isabelle Stengers.Nós, herdeiros de uma destruição, os filhos daqueles que, expropriados de seus commons, foram a presa não apenas da exploração, mas também das abstrações que faziam deles qualquer um, temos que experimentar o que pode recriar – “fazer pegar novamente”, como se diz das plantas – a capacidade de pensar e agir juntos.
Essa experimentação é política, pois não se trata de fazer com as coisas “melhorem”, e sim de experimentar em um meio que sabemos estar saturado de armadilhas, de alternativas infernais, de impossibilidades elaboradas tanto pelo Estado como pelo capitalismo. A luta política aqui, porém, não passa por operações de representação, e sim, antes, por produção de repercussões, pela constituição de “caixas de ressonância” tais que o ocorre com alguns leve os outros a pensar e agir, mas também que o que alguns realizam, aprendem, fazem existir, se torne outros tantos recursos e possibilidades experimentais para os outros. Cada êxito, por mais precário que seja, tem sua importância”.
Não se tata, decerto, de substituir por uma cultura do êxito experimental as necessidades de uma luta política aberta, ainda mais necessária pelo fato de ela ter que investir os espaços considerados “fora da política” onde especialistas se animam, calculam limites, tentam articular as medias a serem tomadas com a imperiosa necessidade de um crescimento sustentável.
A luta política deveria passar por todos os lugares onde se fabrica um futuro que ninguém ousa realmente imaginar, não se restringir à defesa dos sentimentos adquiridos ou à denuncia dos escândalos, mas se apoderar da questão da fabricação desse futuro.
Mas é justamente pelo fato de a luta política ter que passar por todos os lugares que ela não pode ser pensada unicamente em termos de uma “vitória” ou de uma conquista do poder.
Precisamos, desesperadamente, fabricar essas testemunhas, essas narrativas, essas celebrações. E precisamos, principalmente, do que testemunhas, narrativas e celebrações podem transmitir: a experiência que assina a produção de uma conexão bem-sucedida entre a política e a produção experimental, sempre experimental, de uma capacidade nova de agir e de pensar. Tal experiência é o que, no rastro de Espinosa e de muitos outros, eu chamarei de alegria.
A alegria, escreveu Espinosa, é o que traduz um aumento da potência de agir, ou seja, também de pensar e de imaginar, e ela tem algo a ver com um saber, mas um saber que não é de ordem teórica, pois não designa a princípio um objeto, mas o próprio modo de existência daquele que se torna capaz de sentir alegria. A alegria, poderíamos dizer, é a assinatura do acontecimento por excelência, a produção-descoberta de um novo grau de liberdade, conferindo à vida uma dimensão complementar, modificando assim as relações entre as dimensões já habitadas. Alegria do primeiro passo, mesmo inquieto. E a alegria, por outro lado, tem uma potência epidêmica.
A alegria é transmitida não de alguém que sabe a alguém que é ignorante, mas de um modo em si mesmo produtor de igualdade, alegria de pensar e de imaginar juntos, com os outros, graças aos outros.
Fonte:
https://pimentalab.milharal.org/2018/11/13/sobre-a-alegria-de-pensar-e-agir-juntos/